conceito
O Corpo e a Matéria: Ecopoéticas de Reencantamento e Resistência
A tessitura poética das obras emerge de um entrelaçamento sensível entre a pulsação estética e uma consciência ecológica que se revela em matéria — onde arte, natureza e ativismo convergem em um gesto estético radical e profundamente engajado. A artista elege como território poético o litoral de Ubatuba, no extremo norte do estado de São Paulo, onde, desde 2019, testemunha e registra o avanço inexorável do mar sobre a terra firme: árvores centenárias são derrubadas, ecossistemas são redesenhados, e a paisagem, outrora estável, entrega-se ao imperativo do colapso ambiental. Nesse cenário de ruína e resiliência, sua prática artística se ergue como linguagem de escuta e ação — um contra-discurso à violência da devastação.
A matéria inaugural dessa poética é a madeira exumada pelas marés — fragmentos arbóreos que, após longos períodos submersos nas águas salobras do oceano e nos manguezais costeiros, são restituídos à superfície como corpos vestigiais, impregnados de história, tempo e metamorfose. A artista acolhe esses restos naturais como se fossem oráculos da Terra, instaurando com eles uma relação quase litúrgica, onde o fazer artístico assemelha-se a um rito de reencantamento.
Ao entrelaçar tais corpos lenhosos com metais oxidados, resinas vegetais, pigmentos minerais, mel, cristais e outras substâncias elementares, a artista engendra uma escultura que se pensa enquanto organismo — não como objeto encerrado em sua forma, mas como entidade viva, onde o gesto plástico coincide com a memória da matéria e a pulsação do planeta. Cada obra torna-se, assim, uma alegoria da impermanência, uma epifania da ruína e uma celebração da potência regenerativa da natureza.
Paralelamente, sua atuação no campo da performance — expressa por meio de happenings, ecoperformances e coreografias rituais — desloca essa mesma poética para o corpo em movimento. Em plena relação com o espaço natural ou urbano, o corpo da artista inscreve-se na paisagem como signo ancestral, evocando os saberes corporais de povos originários, cuja relação com o meio ambiente era tecida na reciprocidade e no sagrado. Sua presença performativa torna-se, portanto, um dispositivo de resistência e memória, fazendo do corpo um território político e poético.
A fusão entre escultura e performance, matéria e gesto, ancestralidade e contemporaneidade, compõe uma ecopoética que não se limita à denúncia ambiental, mas propõe um reencontro sensível com o mundo natural. Sua arte não ilustra a crise climática — ela a vivencia, a transforma e a redimensiona em linguagem estética.
Trata-se de uma prática artística que se compromete com o tempo presente, convocando o espectador a um olhar mais atento, a uma escuta mais profunda e a um engajamento afetivo com os ciclos vitais do planeta. Uma arte que não apenas se inspira na natureza, mas a incorpora como coautora; que não apenas denuncia o colapso, mas esboça, em cada gesto, a possibilidade de um novo pacto entre humanidade e Terra.

